quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Quem somos nós?

As grandes religiões nos vendem a ideia de que o ser humano é uma criatura especial, de extrema importância no grande plano universal, e cujas necessidades estão acima daquelas das demais criaturas. Eu considero esse raciocínio uma tentativa de justificar o egocentrismo humano como algo bom, quando não divinamente concedido, dessa forma validando o direito de nos colocarmos acima do resto do mundo. Isso fica ainda mais evidente quando algumas pessoas se julgam mais especiais que outras, e dividem as próprias pessoas nas mais diferentes categorias de forma a poder justificar, com os argumentos mais diversos, seu senso de superioridade sobre os demais. (O egocentrismo é um monstro que, se alimentado, perde o controle e consome a todos, por dentro e por fora. Mas esse é assunto pra outra hora.)

Considero pensar dessa forma uma grande besteira, se não uma forma meio arrogante de se posicionar perante Tudo. Pra começo de conversa, o Universo é infinito e não temos a mínima garantia de que somos a única espécie sapiente. Mas, ainda que fôssemos, a ciência levanta cada vez mais argumentos a favor de que somos apenas um animal que deu a sorte de evoluir mais que os demais a ponto de desenvolver senso de consciência de si mesmo. Pra alguns, entretanto, isso já é argumento pra nossa superioridade. Mas quem disse que inteligência tem toda essa relevância? A própria história da Terra é ausente de inteligência durante a grande maioria de sua existência, e se virou muito bem obrigado. O ser humano, ó tão inteligente, foi e ainda é responsável pelas maiores atrocidades contra sua própria espécie e contra o planeta. E quando nosso ciclo se encerrar, de forma natural ou auto-imposta, o Universo seguirá seu curso, indiferente e alheio.

Diante da infinitude e da magnitude do Universo, somos um mero detalhe. No momento em que tomamos consciência do quanto esse Universo independe da nossa existência, é impossível pensar diferente. Mas, por outro lado, quando percebemos que somos insignificantes, ao mesmo tempo percebemos que tudo é insignificante. Nenhuma criatura vale mais que a outra, nem sequer a matéria inorgânica, nos planos universais, planos esses que nem sabemos quais são, e possivelmente nunca saberemos. Conquanto ínfima, a relevância de todas as coisas é a mesma. E bem por isso, ainda que insignificante, tudo é relevante, tudo é necessário. Se não, não estaríamos aqui.

O Universo é sábio ao estabelecer um equilíbrio entre tudo que existe. Esse equilíbrio é importante para manter Tudo em curso. E a vida é o equilíbrio mais frágil e mais belo que existe. (Imaginem: moléculas se dispondo de forma aleatória mas organizada até que, voilà, temos uma criatura capaz de pensar, sentir e interagir com o mundo que o cerca de forma autônoma! Isso é lindo!) Preservar esse equilíbrio é do interesse de todas as criaturas, inclusive do nosso. E é justamente na compreensão dessa verdade que reside o auge de nossa capacidade de raciocínio: desarmar nosso intelecto desse egocentrismo inventado (e validado pela cultura) e reconhecer que, ainda que sejamos apenas mais um peão nesse tabuleiro, nele só existem peões, mas a inteligência traz junto uma responsabilidade muito maior.

A inteligência é um grande dom, mas somente quando munida de humildade. Reconhecer nas outras criaturas (e nas outras pessoas) uma imagem de si mesmo - uma das grandes verdades universais -, é o primeiro passo necessário para usar nosso intelecto a favor do bem comum e da verdadeira evolução humana, aquela que seja boa para todos. Quando motivada por egocentrismo, a inteligência é um perigo, e os grandes ditadores autoritários estão aí pra provar. O egocentrismo, inclusive, é contraproducente; num mundo com 7 bilhões de egocêntricos, somos todos inimigos uns dos outros, e esse cenário é o ideal para a auto-aniquilação. O que há de racional nisso?

Somente com um coração leve e humilde, que reconheça a beleza de sua insignificância mas igual relevância no grande plano, podemos usar aquilo que a natureza nos concedeu de graça, por mero capricho, para a construção de um mundo realmente evoluído.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Sobre beijos

Daí a torcida do Curíntcha ficou indignada com o jogador que deu um selinho em outro homem...

Isso me prova várias coisas. A primeira e mais evidente é que as pessoas ainda acham (algumas talvez em nível subconsciente, outras mais ignorantes não) que orientação sexual é uma escolha e o simples fato de beijar alguém do mesmo sexo significa que a pessoa é gay, ou que é possível mudar de orientação e beijar pode ser o início do processo.

Ora, eu sou a prova viva de que isso é uma balela. Já beijei mais meninas do que muito cara hetero, já cheguei bem próximo do ato sexual (e só não aconteceu porque, adivinha, sem desejo não tem ereção) e, pasmem, continuo tão gay quanto no dia em que minha sexualidade se desenvolveu.

A segunda é o quanto as pessoas pensam em beijo e qualquer contato físico considerado mais íntimo num contexto prioritariamente sexual (o que, na minha opinião, é assustador e revela o quanto a sociedade segue desconectada de sua essência humana). Como se o ato de tocar alguém não pudesse exprimir também afeto e consideração. Pois bem, toda ação é motivada primeiro por um impulso, um desejo, e essa ação específica pode expressar tanto o desejo sexual quanto o desejo afetivo - se não desejos até mais obscuros, como o de manipulação e controle, mas não vou entrar nesse mérito. Além disso, transmitir afeto pelo contato físico faz bem à saúde e expressa "a mais humana das características", portanto deixar de fazê-lo me parece limitar nossa própria natureza. (Vou além, o próprio ato sexual com uma pessoa que se ame representa a mais sublime forma de demonstrar amor e permite um nível de conexão impossível de se obter de outra forma. Mas isso é outro assunto.)

Dentro desse senso comum, de novo eu me lembro da minha história. Eu tocava mulheres QUERENDO sentir desejo físico. Nunca aconteceu. O desejo (de qualquer natureza) é anterior ao ato, nunca posterior. Com o desejo físico não poderia ser diferente.

A terceira é que as pessoas esquecem que sexualidade envolve não apenas atração física, mas afetiva também, ainda que pelo mesmo "objeto". E o que é que o machismo nos ensina? Que mulher é mero objeto pra satisfação física do homem (até porque homem "não pode" sentir/exprimir sentimentos). Ora, sendo assim não é difícil perceber porque o tipo machão heterossexual convicto é tão inseguro. Quem é que gosta de ser tratado meramente como um objeto, como um acessório para reafirmar a identidade de alguém? Como manter um relação verdadeira com uma mulher nesse contexto? A sexualidade do machão é vivida de maneira incompleta, seus sentimentos são reprimidos, e a repressão é terreno para incertezas e dúvidas.

De novo para minha história: nos anos em que eu reprimia minha sexualidade, só de pensar em encostar em outro homem me deixava desconfortável. Mas hoje eu sei qual era minha motivação por trás desse desconforto: medo de gostar. Porque, obviamente, eu era inseguro e mal resolvido. É isso galera?

Tudo muito estúpido, claro. De novo: uma ação nasce primeiro no desejo, e sem desejo (sexual), essa ação não significa nada (sexual). Além disso, um homem que vive sua sexualidade através da genitália e do coração sabe muito bem quem é e do que gosta em todos os contextos, e nenhum ato específico vai abalar essa certeza. Aliás, me chama a atenção o fato de que são os homens que realmente amam as mulheres sem reservas os que são mais propensos a demonstrar carinho por seus amigos... Manter a porta do coração aberta para o objeto sexual permite mantê-la aberta para todos.

O raciocínio poderia acabar aqui, mas vou além, muito além. Quiçá um dia o ser humano reencontre o caminho pra sua alma e esqueça toda essa bobeira de reprimir sentimentos e sua manifestação física, pois é uma vida sentimental plena o que nos faz, justamente, plenamente humanos. E que as pessoas se abracem mais, se beijem mais, se acariciem mais, se amem mais.

Só pra não perder o costume: tá faltando amor.

(A propósito, que fique aqui registrado aos meus amigos e amigas: quem quiser me cumprimentar com selinho tá liberado. :) )

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Homo-AFETIVIDADE

Uma época aí eu estava namorando um guri e nós costumávamos sair com seus amigos heteros. Eles eram bem abertos quanto à homossexualidade e não se incomodavam com nossas intimidades, mas ainda assim percebi o quanto essa orientação sexual recebe, inconscientemente, uma conotação enviesada mesmo de quem diz aceitá-la.

Era comum eles se referirem à história dele anterior a mim como se não fosse nada demais, comentando abertamente sobre outros caras com quem ele havia ficado. Mas também percebi que, quando eles estavam com suas namoradas, o comportamento não era o mesmo. Quando a menina estava junto, ninguém falava da história do outro e, principalmente, ninguém queria ficar comentando sobre os caras com quem sua menina tinha eventualmente ficado.

Por que comigo seria diferente? Por que as pessoas imaginam que, numa relação homossexual, as pessoas não se importam?

A resposta, depois de muito refletir, me pareceu bem óbvia. No fundo no fundo, a maioria das pessoas ainda imagina que as relações homossexuais são meramente físicas, que não há sentimento envolvido. Parece ser mais fácil admitir que dois homens podem ter uma relação sexual do que uma relação afetiva. "Sexo ok, mas amor já é demais." (Vou desenvolver essa ideia entre sexualidade e afetividade num post futuro.)

Lembro que, já há alguns anos, quando eu contei sobre minha condição pra um amigo de infância, eu comentei o seguinte: "Não tem absolutamente nada de diferente num namoro gay. É a mesma bosta." E de fato é. Tem os momentos bons e os momentos ruins, tem o afeto, tem o ficar-junto, tem sexo, tem briga, tem tudo.

Apesar de que até entre os mais abertos seja difícil admitir, a ideia de que homossexualidade é apenas sobre com quem se transa - e não quem se ama - tem raízes bem profundas que cismam em permanecer. No imaginário popular, o amor só é possível entre pessoas de sexos opostos. Mas eu, que mais do que ninguém sei o que senti/sinto por outros homens, sei o que nunca senti por mulheres e também sei o que é uma relação heterossexual porque sempre vivi cercado por isso, posso afirmar com toda a propriedade: é a mesma bosta.

Amor-comportamento x Amor-sentimento

O amor-comportamento é uma atitude de respeito e reverência direcionada a nós mesmos e àquilo que nos cerca: à natureza, nossa casa e provedora, e à vida, que é a expressão mais sublime das leis naturais. Quando voltado a outras pessoas, o amor-comportamento envolve reconhecer no outro uma pessoa autônoma, independente e livre, dona de si e capaz de tomar suas próprias decisões, e tratá-lo como tal.

O amor-sentimento, como qualquer outro sentimento, é uma sensação que não pode ser criada por si, não é objetivo em si; ele surge espontaneamente a partir do momento em que alguns pré-requisitos são atendidos. Por acaso encontrei esse texto que explora essa natureza do amor-sentimento: amamos uma pessoa porque ela faz a gente se sentir como gostamos.

Mas como gostamos de nos sentir? Eu, particularmente, gosto de me sentir "uma pessoa autônoma, independente e livre, dona de si e capaz de tomar suas próprias decisões", que nada mais seria do que a aplicação do amor-comportamento a mim mesmo. Até porque acredito que atingir esse estado é da natureza do crescimento humano pessoal.

Portanto, o amor-comportamento é pré-requisito para o amor-sentimento, e quando em sintonia e equilíbrio, um alimenta o outro num ciclo-sem-fim. Essa é a forma mais saudável de viver o amor, se não a própria definição exata dele.

O amor sempre é bom e saudável. Se alguém culpa o amor por seu próprio sofrimento ("amor não existe, amor é uma ilusão"), está fazendo alguma coisa errada. Amar é ótimo. Vou além: amar é o mais sublime objetivo de vida, as pessoas nascem pra amar e serem amadas, e todo o mais é consequência. As Grandes Verdades, ainda que extremamente simples, só fazem sentido quando observadas pelos olhos mas analisadas pelo coração.

O amor é o estado natural do ser humano.